Minha Vida Pelo Mundo





quarta-feira, 28 de março de 2012

Jeitos e trejeitos

Em matéria de comportamento é possível dizer que os indianos são até parecidos com os brasileiros: são curiosos, gostam de fazer amizades, e apesar de tantas dificuldades são um povo brincalhão e sorridente.
Às vezes comparo-os com o povo do nordeste do Brasil, pelo trabalho árduo, pela humildade, pelas soluções às vezes inusitadas e engraçadas que dão para seus problemas...
Nas vestes e no comportamento em público as mulheres são realmente mais recatadas aqui. Andam sentadas de lado na moto e as roupas cobrem bastante o corpo. Agora que o calor está aumentando, até chegam a usar trajes de manga curta, mas não abandonam o lenço que faz parte do vestuário para qualquer ocasião. Elas não mostram as pernas, porém algumas usam saris que deixam a barriga à mostra.
Mas são os homens que acabam deixando mais evidentes algumas características:
É engraçado o jeito de “sentar” sobre as pernas. Na falta de assento melhor, eles parecem se sentir confortáveis nessa posição.

Imagem de http://www.all4aid.com/india2011/india.php

Algo que nos deixa um pouco confusos no início é o sinal lateral com a cabeça, movimento como se fosse encostar a orelha no ombro. Pode dar a impressão de incerteza, de um “talvez”, mas na verdade é um sinal afirmativo, o jeito deles de dizer sim, que difere do nosso em que inclinamos a cabeça para a frente.
Agora o troféu de hábito mais sórdido, sem contar os que já mencionei em outras postagens, vai para os cuspidores. Se deve ao fato de muitos mascarem tabaco, os quais, quando menos esperamos, soltam uma cusparada sonora com a maior naturalidade. Este e outros hábitos como jogar o lixo no chão nos fazem pensar “Será que este país tem solução?”
Indo um pouco mais adiante nessa reflexão penso se essa pergunta não tem um caráter etnocêntrico, do tipo “Eles vivem errado. É preciso consertar isso”. Mas quando olhamos para os indicadores como mortalidade infantil, por exemplo, acho que concordaremos quanto ao fato de que essa precariedade é nociva à população. A questão é se uma cultura tão antiga pode ser completamente transformada e em quanto tempo. E questiono se deve seguir o mesmo caminho de países considerados desenvolvidos e outros ditos emergentes, quando estes mergulham em desigualdade e desequilíbrio sociopolítico talvez igualmente ameaçadores.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Macacos me mordam!

Não lembro bem de onde conheço essa expressão, mas me parece ser de algum desenho animado que eu via na infância. A questão é que apenas agora descobri que ela faz mesmo sentido...

Este é um pequeno update pra contar o que nossos amigos do reino animal têm aprontado por aqui. E começo com uma confissão: estou sendo aterrorizada pelas lagartixas gigantes que querem dominar a minha casa. O assunto é sério. Já cheguei a perder o sono por causa das “inquilinas”. Estou chegando ao ponto de ter medo de abrir a cortina ou de entrar no banheiro porque é quase certo que uma vai aparecer.
Sei que é psicológico e tal, já fiz o esforço mental de pensar que elas são pequenas, não podem me fazer mal e além disso comem os mosquitos. Pois é, não adiantou e na verdade não é esse o assunto principal do post. Pelo contrário, o caso que vim contar mostra que meu problema poderia ser muito maior...

Já faz algum tempo o Ali tinha nos contado que sua esposa já tinha sido mordida por um macaco enquanto estendia roupas no varal. Em outra ocasião, contou mais uma que os nossos ditos ancestrais tinham aprontado: disse que um deles roubou seu espelho enquanto ele se barbeava, e só devolveu em troca de um pão.
E as travessuras dos danadinhos não pararam por aí. Desta vez a vítima foi a filhinha de cinco anos do Ali, que levou duas mordidas enquanto brincava no próprio quarto!
Como consequência, a menina teve que tomar algumas vacinas.
Perguntamos se não havia algo que espantasse os bichos, e o Ali disse que deveria arrumar um cachorro. Ele não parecia revoltado com a situação, e nem disposto a providenciar uma solução imediatamente. Tenho a impressão de que encara o acontecido mais como um infortúnio, e não procura culpados que possa punir.

É, coisas da Índia... ao menos ao redor da minha casa não tem macacos.



sábado, 17 de março de 2012

Coisas que se vê todos os dias na Índia

Bem, pessoal, o tempo está passando e andar nas ruas de Agra  já não é uma grande novidade pra nós. Já não olhamos ao redor com a mesma curiosidade de antes, e na maioria das vezes estamos no trajeto de casa para o escritório ou vice-versa.
Antes que nos acostumemos a ponto de não notar mais as diferenças (apesar de que duvido que isso possa acontecer), resolvi falar de coisas que acontecem ou que se vê todos os dias por aqui. Assim, quando vocês vierem aqui nos visitar, não vão ficar surpresos ou chocados demais J
E aí vai a seleção de coisas triviais da Minha Vida na Índia:

Três pessoas numa moto
Sim, ver três pessoas em cima de uma moto é super comum mesmo, algo que se vê a cada dois minutos. Comece a contar quando vir quatro pessoas, ou mesmo famílias inteiras como já vi mais de uma vez: homem, mulher e três crianças num veículo de duas rodas.
As situações arriscadas estão longe de parar por aí. As pessoas aqui dirigem sem se preocupar com o restante dos motoristas ao redor. Às vezes tenho a impressão de que retrovisores são meramente decorativos. É comum falar ao celular enquanto se dirige, o que contribui para a grande falta de cuidado no trânsito. Somado a isso, há todo tipo de veículo disputando as ruas mal pavimentadas: carroças puxadas por búfalos, tuk-tuks abarrotados de gente, riquixás (puxados por bicicleta), muitas motos e mini-motos do tipo scooter, ônibus sujos e caindo aos pedaços, caminhões (alguns deles sem carroceria), etc. Tudo isso contribui para o caos nosso de cada dia e as infernais buzinas que não param.

Pequena demonstração do que é o trânsito normal daqui.

Pessoas fazendo as necessidades fisiológicas na rua
Tá, não vou dizer que todos os dias se vê alguém defecando por aí, apesar de que acontece sim, só que um pouco mais escondido. Contudo, é recorrente ver homens urinando em qualquer lugar, e não se acanham se uma mulher estiver passando. Imagino que vocês dispensem a foto pra esse tópico, então vou deixar assim.
Falta de energia elétrica
Acontece todos os dias, não raro algumas vezes por dia. É tão comum que ninguém para o que estava fazendo, e não se ouve as lamúrias revoltosas típicas dos brazucas quando isso acontece.
Me fez pensar no conceito abordado genialmente nesse vídeo:
Pra quem entende inglês, fica a minha dica. Com muito bom humor, Louis C.K. reflete sobre como somos ingratos diante de tantas maravilhas ao nosso redor.
Mulheres carregando peso
Não sei se é de forma geral, mas ao menos nesse quesito o cavalheirismo passou longe daqui. É frequente se ver mulheres levando latas d’água ou outros volumes pesados sobre a cabeça. Inclusive há mulheres trabalhando em construções. Vimos certo dia uma cena em que vários homens estavam sentados no local da construção e as mulheres carregavam os materiais.

Mulheres carregando peso nas ruas de Agra.

Homens abraçados ou de mãos dadas
 “Que viadagem!” dizem os brasileiros quando veem uma cena assim hehe Sim, é um pouco difícil aceitar o fato como normal tendo sido criados numa cultura machista como a nossa. Eu mesma que procuro ser compreensiva e respeitadora das diferenças, confesso que acho bem estranho. Não se pode andar de mãos dadas com a mulher, mas é super normal dois homens crescidos se dando as mãos, andarem com o braço sobre o ombro do outro, ou mesmo pararem abraçadinhos na rua. Dizem que é como demonstração de amizade.



Ok. Acho que foi bastante material pra vocês “digerirem” por hoje. Enquanto isso, talvez eu tente trabalhar numa postagem sobre as coisas que não se vê na Índia. Por enquanto, posso dizer algo que não se vê por aqui: Chuva. O André está aqui há três meses; eu, há dois, e ainda não vimos chover. Dizem que a época das chuvas é no verão. Até lá não vou saber se é menos pior a poeira de agora ou a lama que deve se formar quando chover. Conto daqui alguns meses.

sábado, 10 de março de 2012

Holi

O Holi Festival é celebrado no norte da Índia durante a primavera. É conhecido também como o festival das cores porque na ocasião as pessoas pintam umas às outras com tintas coloridas. Apesar de neste ano o feriado ser apenas no dia 8 de março, as pessoas aproveitam pra tirar quase uma semana de descanso e celebração.
Esta festividade marca a vitória do bem sobre o mal, e é baseada numa lenda. Resumidamente, diz a lenda que Holika, por ordens de seu irmão e rei, tentou matar seu sobrinho na fogueira. Sendo esse sobrinho de bom caráter e devoto dos "verdadeiros deuses", foi salvo e sua tia foi quem acabou sendo queimada.

No dia anterior ao feriado já havia bastante movimento nas ruas. Preparam-se grandes fogueiras onde queimam o corpo de Holika (leia-se um boneco ou uma representação dela). É quase uma mistura de "malhar o Judas" com festa junina do Brasil. Já no dia 8, como previsto, as pessoas saíram às ruas munidas de spray e balões de tinta para pintar amigos e familiares dos pés à cabeça.

Colagem que peguei do meu amigo Indranil Poddar sem autorização
Dizem que a tinta demora quase uma semana pra sair da pele, mas como a grande maioria participa, é normal sair por aí todo pintado nos dias que se seguem.
Durante esses dias há festa, comida e música, o que aproxima a comunidade.

Bem, por motivo de força maior acabei não participando do Holi, mas deixo aqui esse breve relato pra não passar em branco.

Happy Holi!

domingo, 4 de março de 2012

Senhoras e senhores, O Taj Mahal!

Como tudo começou
Domingo à tarde em casa sem nada especial pra fazer.
André: _Vamos dar um passeio?
Mari: _Quero dar um passeio ali no Taj Mahal.
Pois é, poucos poderiam dizer que vão “ali” no Taj Majal. Agora nós podemos. E assim começou o nosso passeio. Para isso, contamos com o mais fácil e barato meio de transporte disponível, o indianíssimo tuk tuk.
Depois de negociar o preço, lá fomos nós... Em mais ou menos quinze minutos já foi possível vislumbrar da avenida o nosso destino.

Logo estávamos na entrada pro estacionamento onde antes mesmo de pagarmos pelo nosso “táxi”, fomos abordados por um guia turístico oferecendo seus serviços. Falando um ótimo inglês, articulado e carismático ele não demorou a nos cativar. Seguindo a mesma profissão de seu pai, o indiano nascido e criado em Agra, onde cursa o último ano de História, mora ao lado do Taj Mahal. Seu nome, Arif, significa conhecimento.
Caminhamos com Arif cerca de 400 metros até a bilheteria, numa rua pavimentada e com calçada, diferente da média das ruas em Agra. Havia ônibus turísticos ao longo de todo esse percurso, além de grandes veículos que se assemelhavam a carroças puxadas por dromedários.

Ali já se podia ver pessoas que percebíamos ser de diversas nacionalidades. Conforme nos informou nosso guia, quarenta por cento dos visitantes são estrangeiros, e o restante vem de toda parte da Índia.
Os bilhetes para cidadãos indianos custam 20 rúpias (ou rupees como dizemos aqui). Já para estrangeiros, são 750 rúpias por pessoa, o que equivale a aproximadamente 15 dólares. Revistaram a nós e a nossos pertences na entrada. Depois disso tivemos acesso a um grande pátio.
A nossa esquerda estavam os alojamentos que abrigaram os trabalhadores na época em que o Taj Mahal foi construído. Foram 20.000 trabalhadores, 22 anos, 1.000 elefantes e toneladas de mármore branco até que a tarefa fosse concluída, tendo sido iniciada no ano de 1631.


Ainda nesse mesmo pátio, mais adiante podíamos ver um grande pórtico. Paramos ali para algumas explicações e fotos, o que causou um suspense, afinal ainda não tínhamos conseguido avistar o prédio principal.

As portas eram de tamanha altura para se poder entrar de camelo, elefante, etc.

Fatos
O Taj Mahal foi construído por ordens do imperador Shah Jaham para abrigar a tumba de sua esposa Mumtaz Mahal, a qual faleceu dando à luz seu 14˚ filho. Sendo muçulmano, Jahan contrariou uma prática de sua religião, que é a de enterrar seus mortos dentro de 24h. O corpo de Mumtaz ficou mumificado até que pudesse ser transferido para o mausoléu. Mais tarde o imperador tentou construir seu próprio mausoléu – este seria ao lado do de sua amada e na cor preta. Foi impedido de fazer isso por seu próprio filho, que o encarcerou e reinou em seu lugar. Jahan morreu na prisão e teve seu corpo sepultado ao lado do de Mumtaz. A cova do imperador é o único elemento que faz com que o monumento não seja completamente simétrico, já que o de sua esposa se encontra exatamente ao centro.
Impressões
Quando finalmente atravessamos o pórtico, eis que surge diante de nós o majestoso palácio.

Lembro-me ter lido relatos que definiam essa visão como “breathtaking”. E realmente tive a sensação de que por um segundo me faltou o ar. Agora apenas o lindo jardim nos separava daquela que é considerada uma das sete maravilhas do mundo moderno, que brilhava sob os raios do sol nos dando a impressão de estarmos no céu, como o André bem descreveu. Depois disso eu não me casava de exclamar “Uau! Que lindo!”. Fiquei realmente maravilhada.
Para entrar, é preciso ficarmos descalços ou usar protetores nos sapatos.
A estrutura por dentro não impressiona tanto. Ela é dividida em aposentos, cujas paredes já estão consideravelmente sujas por serem tocadas pelo grande número de pessoas que passam por lá diariamente. Caminhos estreitos e escuros nos levam à réplica das sepulturas do ex-imperador e de sua esposa, as quais se encontram lado a lado. As verdadeiras sepulturas estão numa câmara abaixo do solo, e essas réplicas foram construídas devido à frustração de visitantes que ao chegar não viam nada ali. Hoje em dia os visitantes caminham ao redor das réplicas, que são cercadas por grades esculpidas manualmente em mármore.

Que descansem em paz... se conseguirem.
Era “proibido” tirar fotos lá dentro. Ainda assim, flashes eram disparados a cada segundo. Penso que era essa a razão para os gritos e apitos de advertência que também eram lançados com a mesma frequência, ecoando na sala de teto alto. Além disso os funcionários apressavam as pessoas para que saíssem logo. Imaginem o clima de reverência em respeito aos falecidos.

Na saída aproveitamos para fazer mais algumas perguntas para o guia e tirar mais algumas fotos, dessa vez dos detalhes e das pedras semi-preciosas, todos esculpidos manualmente.

 Ao entardecer a estrutura toma uma coloração amarelada, também muito bela. Há uma curiosidade sobre as quatro torres que se encontram nas extremidades – elas foram propositalmente construídas com uma ligeira inclinação para o lado de fora, para que se por alguma razão viessem a ruir, não caíssem sobre o mausoléu.
Parados ali olhando para o rio Yamuna, aproveitei para perguntar um pouco mais sobre o imperador. Naturalmente me interessei pelas motivações de um homem que foi autor de tamanha demonstração de amor por uma mulher. Já o André disse que o cara era louco mesmo e tinha um grande ego hehe Bem, mas aparentemente todas as evidências são de que essa grande obra foi realmente motivada por um grande amor. Arif nos contou que Shah Jahan era Mongol e muito correto em sua vida e religião. Diferentemente dos outros, que tinham centenas de concubinas, Jahan foi fiel a suas três esposas, e principalmente à última delas – Mumtaz Mahal (a “coroa do palácio”, como ele mesmo a batizou), que era de origem Persa e foi a única a dar-lhe filhos.

Não diga adeus, diga até logo
Foi isso que Arif nos disse, e nós realmente pretendemos voltar. Saímos pelo portão sul, e como é de praxe em lugares turísticos, caímos em um complexo de lojas de suvenirs e artesanato típico da região. Apenas um passo fora do Taj Mahal e a paisagem já volta a ser a mesma loucura de sempre. Incrível que seja assim num lugar que recebe quase três milhões de turistas anualmente.
Ali vimos vários jovens mochileiros que pareciam ser europeus, dormindo em hotéis de qualidade questionável e comendo em lugares naquele beco escuro que se assemelhava a uma favela. Esses sim são corajosos.
Bem, acho que não precisava mencionar o quanto gostei do passeio. Espero que tenham viajado comigo por essas linhas e... Não digam adeus, digam até logo ;)